quinta-feira, setembro 21, 2006


UfA!!!
por Thais Julianne de Castro

Levantou cedo. Bem, nem tão cedo assim. O despertador tocou pela primeira vez há aproximadamente 45 minutos atrás. Re-programou para mais cinco minutinhos e por algum descuido re-programou errado. Perdeu a hora. Acordou assustada. O susto já se encarregou de gritar “acorda que o dia tá todo pela frente e já começa atrasado”. Não dá tempo pra tomar banho. Joga água no rosto, escova os dentes penteando o cabelo. Pega a calça dali, coloca uma blusa qualquer, fresquinha, o calor já está de matar. Calça a meia, ops, par trocado. Destroca. Coloca o tênis. Na geladeira pega um iogurte pra tomar pelo caminho, um pacote de bolachas pra segurar a fome se ela aparecer por aí. “O elevador podia tanto não demorar”. O elevador demorou cinco minutinhos. Pelo menos desceu direto, “ufa”!!!

“Bom seu João!” - o cumprimento ao porteiro ecoou no rastro de quem já estava quase no meio da rua, serelepe e agitada, ao menos um sorriso no rosto. Sempre. Apressa o passo, mas a pé não se tem velocidade motorizada, não adianta tentar. Pensou mais uma vez no pneu da bicicleta. Programou mais uma vez para enchê-lo e então começar a ir à faculdade de bicicleta. Já seria um exercício. Afinal de contas, tinha consciência do sedentarismo nada saudável para uma jovem de 20 anos. Mas já fazia cinco meses que se programava para encher o pneu, para começar a pedalar, para criar a coragem de ir de bicicleta à universidade.

Hall do bloco na faculdade, sorrisos e “bom dias”. Três ou quatro conversas de cinco minutinhos para agendar um programa do final de semana, marcar uma gravação, contar uma novidade. São sempre rotineiras, mas são sempre tantas. Finalmente passa no bebedouro, um gole d’água pra recompor o fôlego. Sobe as escadas, abre a porta da sala de aula discretamente, alguns vários cinco minutinhos atrasada. O professor está mais uma vez repetindo os conceitos básicos da matéria, assim como na primeira aula, há cinco semanas atrás. Programação mental de tantas tarefas pelo dia à frente. “Queria ter a cara de pau de ficar em casa dormindo”. Sempre acostumada a exercer responsabilidades não aceitaria esse tipo de descaso com os estudos.

Já é quase intervalo. Sai mais cedo para passar na sala da frente. Precisa assinar lista de presença da matéria que faz em pendência para regularizar o currículo aa terceira faculdade para o mesmo curso. Entra na sala de muitos calouros. Desvia a atenção do professor. Cumprimenta alguns. Procura a lista. Assina a lista. Cumprimenta o professor. Agradece e sai de sala. Desce pro intervalo. Conversas sempre fluem com tantas pessoas, temas diversos mesmo quando não há nada pra se falar. Gosta de conversar. Não fofocar. Gosta de discutir, polemizar, planejar, criticar, elogiar, reclamar, agradecer, coordenar, pensar, expor. Às vezes esquece de respirar. É, gosta de conversar. Cinco minutinhos na reunião com a comissão de formatura. De volta na sala de aula. Entrega o texto, cinco minutinhos de conversa com o professor e o editor. Fim de aula. Não, não são 11:30 ainda como sugere a ementa do curso para término das aulas diárias.

Sai correndo para pegar o ônibus, se chegar mais cedo na empresa quem sabe consegue adiantar algumas coisas e sair mais cedo à tarde e dormir um pouquinho. Bem mais que cinco minutinhos esperando o ônibus e meia hora para chegar ao outro lado da cidade. Chega na empresa, “bom dias” e sorrisos. Passa no banheiro, lava o rosto com água fria, o sono às vezes titubeia em aparecer. Pega a garrafa d’água, toma um copo cheio e coloca do lado do computador. Liga o ar condicionado e senta. Começa a trabalhar. Não é estágio. Não tem nada a ver com o curso da faculdade. É serviço de gente grande. Não pode dar bobeira. Cinco minutinhos podem representar a falha ou o sucesso perante um cliente.

Esquece de almoçar e quando percebe, já são cinco horas. Pede um salgado pra comer na empresa mesmo. Ainda bem que a parede do estômago doeu ou se esquecia de que precisa comer. Quase seis horas e já estava de saída quando o diretor chegou pedindo algumas informações. Alguns relatórios e... o telefone toca. Problema de última hora. Coordena as soluções num fôlego só e sai. São 19:15hrs e o ensaio de teatro era às 19. Pega o carro emprestado com o pai e dirige pela nada agradável hora do rush. Controla a ansiedade aquecendo a voz e passando o texto na memória. Já em cena, numa escola estadual que serve de palco, é como se a correria do dia inteiro valessem por aquelas duas horas de teatro. Não estava tão preparada como gostaria, mas já valia a pena poder se dedicar por aquele período.

De volta pra casa, as ruas são tranqüilas, quase desertas. A sensação do fim do dia é confortante. Agora finalmente poderia deitar e descansar. Chegou em casa, jantou qualquer coisa só pra forrar o estômago. Tentou ler alguma coisa da faculdade mas o cansaço era tamanho que não conseguiu concentrar. Deitou. Já num estágio quase sonâmbulo lembrou assustada como quem quase esquece de um compromisso importante: “amanhã é sexta, tem a peça de Teatreando”. Este era um grupo de teatro do qual tinha participado durante quase oito anos. Ufa....ainda bem que tinha se lembrado. Mas não foram nem cinco minutinhos pra se dar conta de que lembrou atrasado. Amanhã não seria a peça. A peça foi sexta feira da semana passada. Ela havia esquecido. Não havia mais nada a ser feito. Virou pro lado e dormiu.

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